Acordei devagar, como se estivesse submergindo de um mar espesso. Tudo parecia meio embaçado, os sons abafados. Respirei fundo, tentando entender onde estava, mas o ar veio com certa dificuldade.
Senti uma fisgada do lado direito do abdômen, e uma dor surda se espalhou pelas costelas. Pisquei, tentando focar a visão, e percebi que havia uma máscara de oxigênio sobre o meu rosto.
Aos poucos, o ambiente foi tomando forma. Estava em um quarto de hospital. As paredes claras, o leve zumbido do monitor cardíaco ao lado da cama. Me mexi um pouco, sentindo a dormência nas pernas e a cabeça pesada. Quando virei o rosto para o lado, vi ela.
Larissa.
Estava sentada em uma cadeira ao lado da cama, o corpo levemente curvado para frente, as mãos entrelaçadas no queixo. Os olhos dela estavam vermelhos, como se tivesse chorado por horas. Quando percebeu meu movimento, levantou-se rapidamente, vindo até mim.
Tentei erguer a mão para tirar a máscara, mas ela se adiantou.
— Calma — disse suavemente, afastando a máscara com cuidado. — Deixa que eu ajudo.
O toque dela era gentil. Diferente de tudo que eu lembrava. Havia algo mais ali. Uma exaustão antiga, misturada com algo que não consegui decifrar de imediato.
— Deu tudo certo? — murmurei com dificuldade, a voz rouca, arranhando minha garganta.
Ela respirou fundo, como se estivesse se preparando para me dizer aquilo.
— Sim. Retiraram o seu rim com sucesso. A doutora disse que... — ela pausou por um segundo, como se a emoção estivesse travando suas palavras — que ele é do tamanho perfeito para o Gabriel, mesmo sendo uma criança. A cirurgia dele está quase terminando.
Fechei os olhos por um instante, sentindo uma onda de alívio me invadir. Meus dedos apertaram levemente o lençol sob mim.
— Graças a Deus... — sussurrei, mais para mim mesmo do que para ela.
Larissa ficou em silêncio por um instante. Depois respirou fundo, se aproximando mais e me olhando nos olhos.
— Obrigada, Alessandro. — a voz dela tremeu. — De verdade... eu... eu sei que a gente precisa conversar depois sobre tudo. Sei que tem muita coisa entre nós que ficou mal resolvida. Mas agora... agora eu só quero te agradecer. Eu... eu devo a minha vida a você. Você pode ter salvado o meu filho.
A lágrima que escorreu do rosto dela foi como uma navalha silenciosa.
Virei meu rosto com dificuldade, encarando-a. Minha voz saiu fraca, mas firme:
— Nosso filho. Você não me deve nada, Larissa. O Gabriel é meu filho também. Se eu soubesse disso antes, se você tivesse me dito... eu teria feito isso de qualquer forma. Sem pensar duas vezes.
Ela desviou o olhar, e pude ver seus ombros encolhendo, como se aquelas palavras tivessem um peso maior do que ela esperava.
— Eu tentei te contar... — murmurou. — Naquela vez. Eu juro que tentei...
Assenti devagar. A dor no meu corpo parecia pequena diante da dor que havia entre nós.
Ela passou a mão no rosto, limpando a lágrima teimosa que ainda escorria.
— Eu... eu vou esperar na sala de recepção — disse depois de um tempo. — Eu só queria estar aqui até você acordar. E te agradecer.
— Tudo bem — respondi, tentando conter o aperto no peito.
Ela me olhou por um segundo a mais, como se quisesse dizer algo, mas não disse nada. Apenas assentiu e saiu da sala.
A porta se fechou com um clique baixo, e eu fiquei ali, sozinho, sentindo um peso esquisito no coração.
Eu queria sentir raiva. Queria gritar com ela, exigir respostas, confrontar o passado. Mas não conseguia. No fundo, eu entendia. Eu entendia o medo, a dor, as decisões erradas feitas com o coração partido.
E agora tudo era diferente.
Gabriel era meu filho. Estava vivo. E talvez, eu ainda tivesse uma chance de fazer parte da vida dele.
Mas a verdade era que a ferida entre mim e Larissa não se curaria com um único gesto. Nem com um rim. Seria preciso muito mais e eu ainda não sabia se ela me deixaria tentar.
Fechei os olhos devagar, tentando silenciar o turbilhão dentro de mim.
— Quando ela tinha poucos meses de gestação.
A raiva me golpeou no estômago mais forte do que qualquer cirurgia. Cerrei os punhos sobre o lençol, sentindo o coração martelar contra o peito.
— Você deveria ter me contado! — explodi, mesmo sentindo a pressão do corte me fazer ver estrelas por um instante.
— Ei, ei! Calma, Alessandro! — Diogo se aproximou e colocou uma mão no meu ombro. — Você acabou de retirar um órgão. Não pode se agitar assim.
Fechei os olhos, tentando controlar a respiração, mas tudo parecia girar em minha mente. O peso do que eu não sabia, do que perdi, era esmagador. Quando abri os olhos de novo, ele ainda estava ali, me observando com uma expressão séria, contida.
— Eu conversei com a Larissa naquela época — ele disse, a voz firme. — Pedi pra ela contar a verdade. Ela disse que ia… mas estava com medo. Naquele tempo você fazia de tudo pela Chiara. Larissa estava apavorada que você tentasse tirar a criança dela, ou que não acreditasse que o filho era seu.
Balancei a cabeça, inconformado. — Eu nunca faria isso.
— Eu sei — ele assentiu. — Hoje eu sei. Mas na época… olhando de fora… você estava cego, Alessandro. Cego por Chiara. Larissa não tinha apoio, estava sozinha, com medo, e você não enxergava nada além da mulher que te manipulava.
Fiquei em silêncio por um momento. Olhei para a janela ao meu lado. Lá fora, a madrugada ainda cobria tudo de escuridão, mas eu sabia que em breve o céu começaria a clarear. O amanhecer vinha… mas dentro de mim tudo ainda era noite.
— Você guardou um segredo muito importante — falei, a voz mais baixa. — Eu ouvi o Gabriel chamar o Rafael de pai. — Olhei para Diogo, tentando conter o gosto amargo na boca. — Ele chamou aquele homem de pai, Diogo. Isso... isso me matou por dentro.
Diogo fechou os olhos, como se cada palavra também o machucasse.
— Foi o próprio Gabriel quem pediu. Ele sentia falta de ter um pai. Não era a Larissa quem obrigava… Era o jeito que ele encontrou de preencher um vazio. Rafael sempre esteve presente, e Gabriel achava que… que aquilo era o mais próximo de ter um pai de verdade.
A dor no peito cresceu, uma fisgada aguda, mais intensa do que qualquer ponto da cirurgia. Meus olhos arderam, e pisquei rápido, tentando não chorar.
— Ele não precisava chamar o Rafael de pai. Eu sou o pai dele. Ele tinha um pai! — falei com raiva, com tristeza, com tudo misturado. — E a Larissa tirou isso dele, de mim.
— E você tirou tudo dela antes disso — Diogo respondeu. — Você precisa lembrar disso, Alessandro. Precisa lembrar de como tratou a Larissa quando ela tentou contar. Ela foi até você, grávida, sangrando, pedindo um exame de DNA. E o que você fez? A expulsou. Mandou embora. Disse que ela estava mentindo. Você acreditou na Chiara.
Comentários
Os comentários dos leitores sobre o romance: Aliança Provisória - Casei com um Homem apaixonado por Outra
Esse tbm. Será que nunca vou ler grátis...