Ela me olhou com um pouco de pena, aquele tipo de olhar que eu odiava receber.
— Senhorita, seu pai teve uma parada cardíaca. Ele precisou ser reanimado e está passando por um procedimento agora. O médico vai falar com vocês assim que possível, tá bom?
Uma parada cardíaca.
A frase ecoou na minha cabeça como um soco. Eu mal ouvi mais nada depois disso. Me virei devagar e fui cambaleando até uma das cadeiras no canto da recepção e sentei como se meus ossos tivessem virado pó. Apoiei os cotovelos nos joelhos e enterrei o rosto nas mãos. Eu tremia inteira. Meu pai…
Como isso podia estar acontecendo?
Senti alguém se sentando ao meu lado e nem pensei em olhar. Eu sabia que era ele.
Tentei ignorá-lo por alguns minutos, mas a presença dele era sufocante demais.
— O que você tá fazendo aqui ainda?
Ele respondeu sem hesitar.
— Tô preocupado com seu pai. E com você.
Eu virei o rosto devagar para encará-lo.
— Eu não tô sozinha, Alessandro.
Ele assentiu, mas o olhar dele era firme.
— Mesmo assim, eu não vou embora.
Soltei um suspiro cansado. Eu não tinha forças pra discutir.
Ergui o olhar e vi Guilherme entrando apressado, com uma expressão abatida.
— Guilherme! — me levantei num pulo. — O que aconteceu? Você estava com ele?
Ele correu até mim, parecendo aliviado por me ver.
— Ele estava falando com alguém no celular e o ouvi discutindo com alguém… Não sei com quem, mas a conversa estava tensa. De repente ele começou a passar mal. Eu corri pra ajudar e chamei a ambulância.
Senti as lágrimas escorrerem de vez. Tentei segurar, mas não deu. Cobri o rosto com as mãos, e foi aí que Guilherme se aproximou e me puxou para um abraço.
Mas o abraço durou pouco.
Alessandro se levantou e, num impulso, empurrou Guilherme de leve, só para afastá-lo. A voz dele veio firme, irritada.
— Não toca na minha esposa.
Me afastei dos dois de uma vez, com raiva.
— Ah, pelo amor de Deus! Alessandro, vai embora! Você não tem nenhum direito de fazer isso!
Ele me ignorou completamente. Se aproximou de novo e me puxou pra um abraço apertado. Eu tentei me soltar, empurrei o peito dele com as mãos, mas ele não me soltou.
— Para, Larissa. Respira. Só respira…
Fechei os olhos com força, ainda lutando contra ele... Mas o calor dele me envolvia de um jeito que me irritava. Era uma merda como meu corpo ainda se lembrava do dele. E pior: como ele ainda conseguia me acalmar.
Fui parando aos poucos. Suspirei baixinho contra o seu peito e me permiti mais alguns segundos ali antes de me afastar e me sentar de novo.
Ele se abaixou e me ajudou a recostar na cadeira.
— Fica calma. Ele vai ficar bem.
— É o que eu tô tentando acreditar — murmurei, cruzando os braços e encarando o chão.
Ficamos ali. Eu, ele e Guilherme — que agora preferia manter distância — num silêncio desconfortável e longo. O tempo parecia não passar. Cada vez que alguém de jaleco branco passava, meu coração disparava.
Foram quase cinco horas esperando. Cinco horas de ansiedade, medo e raiva misturados num redemoinho que me deixava tonta.
Até que, finalmente, um médico surgiu no corredor, usando jaleco e máscara. Ele se aproximou com um semblante cansado, mas tranquilo.
— Parentes do senhor Álvaro?
Me levantei de imediato, Alessandro ao meu lado.
— Sou eu. Eu sou a filha dele.
O médico assentiu.
— A cirurgia foi bem-sucedida. Conseguimos estabilizar o quadro dele. Ele tá sedado e vai pra UTI agora, para monitoramento. O susto foi grande, mas ele reagiu bem.
Eu quase caí sentada de novo. A pressão saiu de mim como se alguém tivesse desligado um botão. Meus olhos se encheram de lágrimas de novo, mas dessa vez de alívio.
— Obrigada... obrigada mesmo, doutor.
Ele sorriu com gentileza e se afastou. Eu sentei de novo, respirando fundo, cobrindo o rosto com as mãos. Senti Alessandro se sentar ao meu lado de novo, sem dizer nada.
Não precisava que ele falasse e ele ficou ali, do meu lado.
Mesmo depois de tudo.
O barulho da recepção ao fundo parecia distante, como se eu estivesse mergulhada dentro de um aquário, com a cabeça cheia e o peito pesado.
O celular de Alessandro vibrou pela terceira vez seguida, e eu virei o rosto na direção dele, irritada.
— Você já pode ir, Alessandro. — minha voz saiu baixa, mas firme. — O seu celular não para de vibrar... A Chiara deve estar te procurando.
Ele nem se mexeu. Só abaixou os olhos pro aparelho, sem pegar, e respondeu num tom tranquilo demais pro meu gosto.
— Depois eu falo com ela.
Franzi o cenho.
— Sério?
— Sério.
Suspirei, voltando a encarar a parede da frente. Me recusei a dizer mais alguma coisa, mas por dentro eu fervia.
Por que ele ainda estava ali?
Por que ele não foi embora como sempre fazia quando as coisas complicavam?
Eu tentei ignorar sua presença, me concentrar em qualquer outra coisa. Nas luzes frias do hospital, no som do interfone chamando algum médico, no tique-taque do relógio na parede. Mas ele continuava ali, do meu lado, como uma presença constante e incômoda.
Como se, de repente, ele fosse parte da minha vida de novo.
Mas ele não era.
Não mais.
O pior era que uma parte de mim... uma parte maldita, silenciosa, ainda sentia um alívio estranho por não estar sozinha naquela cadeira dura, àquela hora da madrugada.
Mas eu me forcei a não demonstrar.
— Por que você tá aqui, Alessandro? — perguntei, finalmente, sem encará-lo. — De verdade.
Ele demorou pra responder. Eu o ouvi respirar fundo.
— Porque você tá aqui. E eu me importo.
Fechei os olhos por um segundo, lutando contra o impulso de rir — ou de gritar.
— Engraçado... você não parecia muito "se importando" quando me chamou de amante da história.
— Eu já disse que não queria ter falado aquilo.
— Mas falou. — disparei, olhando enfim pra ele com raiva nos olhos. — E o pior: você acreditou. Você preferiu acreditar em tudo que ela disse. Me deixou sozinha naquela casa, naquele inferno, enquanto ela desfilava como se fosse a dona da sua vida.
Ele abaixou o olhar. Ficou em silêncio por alguns segundos, e dessa vez... pareceu realmente afetado.
Peguei o lanche e murmurei um “obrigada”. Comi devagar, tentando engolir junto o nó que estava na garganta. Depois de um tempo em silêncio, olhei pra ele.
— Você pode me levar pra casa? Eu... quero tomar um banho, trocar de roupa. Daqui a pouco volto.
Ele sorriu de leve, mas não respondeu com palavras, só assentiu e fez sinal com a cabeça. Nos levantamos e fomos caminhando até o estacionamento. O silêncio entre a gente já não era mais incômodo... era só... estranho. Familiar demais.
E no fundo, eu não sabia mais o que doía mais: ele ainda estar por perto... ou o medo de quando ele resolvesse ir embora de vez.
Assim que cheguei em casa, abri a porta já sentindo um certo alívio por sair daquele hospital frio. Comecei a subir as escadas ouvindo passos atrás de mim.
— Eu só queria te avisar... que assim que sair do trabalho hoje, vou passar no hospital pra ver o Álvaro.
Me virei totalmente para ele, franzindo o cenho.
— Você sabe que não precisa fazer isso. Sei que é muito ocupado.
Ele suspirou, enfiando as mãos nos bolsos.
— Eu vou mesmo assim. Quero ver como ele tá... e também quero garantir que você não tá sozinha nesse meio tempo.
Soltei o ar devagar, sem saber como reagir a isso. Por que ele estava se importando agora?
— Você devia ir — ele continuou. — Tomar um banho, comer alguma coisa decente. Dormir, se conseguir. E se acontecer qualquer coisa, me avisa. Sem pensar duas vezes.
Assenti lentamente, quase sem voz.
— Tá.
Ele deu mais um passo pra dentro da casa, meio hesitante.
— Qualquer coisa mesmo, Larissa.
— Tá bom — murmurei. — Obrigada.
Ele assentiu de novo, subindo lentamente as escadas em direção ao quarto dele. Assim que ele sumiu da minha visão, entrei no meu quarto e encostei a porta. Fiquei ali parada, em frente ao espelho, me encarando por alguns segundos.
Mesmo depois daquele cochilo rápido no hospital, as olheiras ainda estavam visíveis nos meus olhos. A pele parecia mais pálida que o normal, e meus ombros caídos revelavam todo o peso dos últimos dias.
Levei a mão até a barriga e respirei fundo, tentando encontrar algum traço de paz dentro de mim.
— Calma, meu amor... a mamãe vai tentar se acalmar. — murmurei sozinha.
Esse estresse todo não era bom pra mim, muito menos pra ele... ou ela. Ainda era cedo pra saber, mas isso nem importava agora. Meu bebê estava ali. E eu precisava ser forte por nós dois.
Fui até o banheiro e entrei no chuveiro, deixando a água quente escorrer pelas costas. Tentei relaxar, mas minha mente estava um caos. As palavras do Alessandro, na noite anterior, voltaram com tudo na minha cabeça.
“E se eu não ficar com a Chiara? Você me aceitaria de volta?”
Por que ele disse aquilo? Por que agora?
Fechei os olhos, frustrada, e esfreguei o rosto com força. Não fazia sentido.
Nunca vi ele agir daquela forma. Tão... presente. Tão preocupado. Tão disposto.
Ou fosse só mais uma jogada. Talvez ele só estivesse me mostrando que, quando ele quer, ele consegue me alcançar. Que ele ainda tem poder sobre mim. Que ainda pode mexer comigo.
E pior... ele pode. Porque ele mexe. Mexe demais.
Comecei a lavar o cabelo, tentando tirar aquela sensação sufocante do peito. Meu coração parecia dividido entre esperança e autopreservação.
É claro que, no fundo, eu queria que tudo desse certo. Que ele se arrependesse de verdade. Que me escolhesse. Que escolhesse a gente. Nossa família.
Criar esse filho juntos... ter alguém pra dividir isso tudo. Não só os momentos bons, mas os dias difíceis também.
Mas... isso realmente seria possível? Ele conseguiria deixar o orgulho de lado, abrir mão das mentiras, das dúvidas, das mágoas?
Eu queria acreditar que sim. Mas será que eu conseguiria arriscar tudo de novo?
Essa era a parte que mais doía. Porque o amor ainda existia — mesmo quando eu fingia que não.
Comentários
Os comentários dos leitores sobre o romance: Aliança Provisória - Casei com um Homem apaixonado por Outra
Esse tbm. Será que nunca vou ler grátis...