Já passava das seis e cinquenta quando comecei a desligar o computador. A luz da minha sala era a única acesa em todo o setor — todo mundo já tinha ido embora. A segunda-feira tinha sido cansativa, mas estranhamente leve.
Era como se, só de saber que minha decisão estava tomada, parte do peso nos meus ombros tivesse sumido.
Respirei fundo, peguei minha bolsa e ia me levantar quando a porta se abriu.
Meu coração pulou no peito.
Alessandro entrou como se tivesse o direito de invadir o que quisesse, e por um instante, nós apenas nos encaramos. O mesmo rosto, o mesmo olhar, a mesma presença que ainda mexia tanto comigo… mas que agora me causava mais dor do que qualquer outra coisa.
Ele ficou parado ali, me observando, analisando cada movimento meu.
Olhei para ele, levantando e ajeitando a bolsa no ombro. — Como foi a ida à praia?
Ele franziu o cenho, surpreso.
— Como você sabe que eu…
— Chiara me contou — respondi com um meio sorriso, amargo. — Ela ligou pra você naquele dia… no shopping. Estávamos só nós duas no elevador e ela colocou no viva voz. Foi proposital e só pra me provocar.
Alessandro balançou a cabeça, claramente desconfortável.
— Chiara não faria isso…
— Não? — arqueei uma sobrancelha. — Então talvez você conheça menos ela do que imagina. Ou talvez esteja tão cego que não queira ver.
Me virei para sair da sala, mas senti a mão dele segurando meu braço. Não com força… mas com insistência. Virei o rosto devagar pra ele, sem esconder meu cansaço.
— Solta, Alessandro.
Ele não soltou. Ao invés disso, puxou algo do bolso e me mostrou.
A carta de demissão.
— O que é isso, Larissa?
— Achei que você fosse mais inteligente… — dei um sorrisinho debochado. — Não aprendeu a ler?
A expressão dele mudou. Irritado, ele deu um passo à frente.
— Eu não aceito essa demissão.
— E eu não tô nem aí se você aceita ou não. — puxei meu braço de volta, dessa vez com firmeza. — Vou cumprir meu aviso e ir embora. E nem adianta vir com ameaças ou com essa pose toda de dono do mundo, porque eu já tenho outro lugar pra ir. Vou trabalhar com meu pai.
Ele bufou, a raiva crescendo nos olhos. E num segundo, ele me encurralou contra a parede da sala.
— Alessandro! — exclamei, surpresa. — O que você está fazendo?
Ele não me machucava, de jeito nenhum, mas estava perto. Ridiculamente perto. Seu corpo pressionava o meu com firmeza, e seu olhar queimava o meu rosto.
— Você mudou — ele disse, voz rouca, baixa, carregada de algo que eu não sabia se era raiva, desejo ou dor. — Tá mais… selvagem.
Soltei uma risada seca, amarga.
— Você me mudou, Alessandro.
Ele abriu a boca pra responder, mas eu não deixei.
Me coloquei na ponta dos pés e o beijei.
Um beijo ardente, urgente, cheio de tudo que ficou preso no peito por tempo demais. Ele ficou paralisado por um segundo, e depois seus braços envolveram minha cintura com força. Me puxou contra o corpo dele, e o beijo ficou ainda mais intenso, mais desesperado. Era como se a gente tivesse tentando apagar o mundo naquele instante.
Mas então…
Mordi o lábio inferior dele com toda a minha força. Ele se afastou num sobressalto, tocando a boca, onde o sangue começava a escorrer.
— Porra, Larissa! — ele rosnou. — Por que você fez isso de novo?
Limpei minha própria boca com as costas da mão, sem pressa. Um sorriso triste brincando em meus lábios.
— Porque esse foi o nosso último beijo. — olhei bem nos olhos dele. — E eu queria que você lembrasse que a mulher que você conheceu já não existe mais. Ela morreu. E no lugar dela… sobrou alguém que aprendeu a sobreviver.
Comecei a sair, mas ele tentou me segurar novamente. Só que, nesse momento, dois funcionários passaram pelo corredor e olharam para nós com clara desconfiança. Ele recuou o toque, disfarçando, e eu aproveitei para sair rapidamente da sala e entrar no elevador.
As portas começaram a se fechar e ele permaneceu parado do lado de fora, me olhando como se quisesse dizer mil coisas… mas sem dizer nenhuma.
No último segundo antes das portas se fecharem, nossos olhos se encontraram.
E eu senti tudo ao mesmo tempo. Raiva. Dor. Amor. Tristeza.
Mas também… alívio. Levei a mão ao coração e fechei os olhos, respirando fundo. Tudo iria mudar.
Dei uma risada amarga, seca. O tipo de riso que corta mais do que alivia. Levei a mão ao rosto, depois a deixei cair, sentindo o calor da vergonha e da raiva se misturarem.
— E o que foi que a doce Chiara contou mais, hein? — ergui a cabeça com ironia. — Aposto que ela te pintou um retrato lindo de mim.
Rosa estreitou os olhos, como se estivesse vendo uma estranha na minha frente.
— Ela só falou verdades! — rebateu. — Você quer manter Alessandro preso, se fazendo de vítima, achando que ainda vai conquistar alguma coisa. Ele já tem outra! Já fez a escolha dele!
Meu sangue ferveu.
— Acha mesmo que eu quero alguma coisa dele? — fuzilei com o olhar. — Por mim, Alessandro já estaria com ela desde o dia que ela apareceu naquela empresa. Não me interessa mais. Acabou.
Peguei minha bolsa e fui em direção à porta. Mas Rosa esticou o braço e segurou o meu com força.
— Eu ainda não terminei com você.
— Pois eu terminei. — empurrei o braço dela, me soltando — Você entrou na minha casa sem avisar, me agrediu e agora quer impedir que eu vá trabalhar? Me poupe. Eu não tô com paciência.
Ela, então, deu um passo na minha frente, com aquele olhar venenoso que só ela sabia fazer.
— Essa casa não é sua, Larissa. Nunca foi. É do Alessandro. Da Chiara. Você é só uma intrusa. E quando seu pai morrer, vai acabar na miséria, por isso não quer se separar.
As palavras dela bateram no meu peito como facadas. Mas o que ela não esperava era a velocidade com que minha mão reagiria.
Levantei o braço, com força, e fui direto no rosto dela. Ela fechou os olhos, se encolhendo para o impacto que não veio. A poucos centímetros de tocá-la, parei. Respirei fundo e, ao invés de bater, deslizei meus dedos suavemente em sua pele.
Ela arregalou os olhos. Me aproximei o bastante para que minha voz saísse baixa, firme e fria.
— Você devia ter criado um homem de verdade, Rosa. Não um moleque mimado, birrento, que corre pro colo da mamãe e da ex quando não sabe lidar com a própria vida. Eu não quero o dinheiro dele. Nunca quis. Eu só quero paz. É pedir muito?
Ela empurrou minha mão com nojo, como se tivesse tocado um inseto.
— Não me toque!
— Então aconselha o seu filhinho a parar de me perseguir.
Saí pela porta sem olhar pra trás. Entrei no carro com o coração acelerado, o rosto ainda quente — mais pela tensão do que pela dor do tapa.
Respirei fundo, ajustei o retrovisor e liguei o carro. Tinha quinze dias de empresa ainda pela frente. E depois disso… só o silêncio. E a liberdade.
Comentários
Os comentários dos leitores sobre o romance: Aliança Provisória - Casei com um Homem apaixonado por Outra
Esse tbm. Será que nunca vou ler grátis...