— Quase — murmurei, forçando um sorriso.
Chiara me olhou e sorriu também. Um sorriso leve, mas que não escondia o nervosismo nos olhos.
— Lembra do Natal de dois anos atrás? Quando seu avô deixou o peru no forno por seis horas? — Ela soltou uma risada. — Foi o dia em que minha mãe jurou nunca mais deixar ele cozinhar.
— Lembro — falei, pegando a taça da mão dela. Minha voz saiu sem muita emoção. Mas não era sobre o peru.
Sentamos. A comida tava boa, como sempre, mas o clima... parecia um teatro. As memórias felizes sendo jogadas na mesa como se pudessem colar de volta os cacos de alguma coisa que quebrou há muito tempo.
E aí veio o esperado.
— Alessandro — começou Rosa, mexendo na taça, — você precisa resolver logo essa situação com a Larissa. É só um papel. Você não pode continuar nessa indecisão pra sempre.
— Não é indecisão, mãe. Eu só tô respeitando o tempo do processo. — Respirei fundo. — Não é simples assim.
— Claro que é. Você e a Chiara têm história, têm planos. Ela está aqui, disposta a reconstruir isso com você.
— Mãe...
— Não, me escuta. Você sabe que eu sempre achei que ela era a mulher certa pra você. Ela é o tipo de esposa que qualquer homem bem-sucedido gostaria de ter. Estável, elegante, inteligente.
Olhei pra Chiara, que fingia não ouvir, mas tava escutando cada palavra. E aquilo me sufocava.
Ela me olhou, colocou a mão sobre a minha na mesa. Senti o calor dos dedos dela, suaves, trêmulos.
— Eu ainda acredito na gente, Alê — disse baixo. — A gente teve uma fase difícil, mas... eu tô aqui. Tentando.
— Eu sei — respondi. — Eu sei que você tá tentando.
E eu acreditava. Acreditava mesmo. Parte de mim ainda achava que eu devia isso a ela. Que voltar com a Chiara era o certo. Mas cada vez que alguém me empurrava nessa direção, eu sentia como se estivessem me jogando contra uma parede.
Minha mãe pigarreou, quase satisfeita. A mãe da Chiara sorriu como quem já dava aquilo como certo.
E foi aí que a raiva bateu.
— Vocês sabem que não gosto do que estão fazendo — falei de repente, me levantando. — Eu tô tentando resolver tudo da melhor forma, com respeito, com calma. Mas vocês não facilitam. Parece que ninguém entende que existe um tempo, um processo.
— Alessandro... — minha mãe começou.
— Não é só assinar um papel e apagar tudo. Não é assim.
Chiara se levantou também, assustada.
— Eu só vim porque achei que você... — disse ela, num sussurro. — Não quero forçar nada.
Olhei pra ela, com aquele nó no peito. Não queria machucá-la. Nunca quis. E por isso mesmo tudo doía.
— Você merece, Chiara. Mas não desse jeito. Não numa armadilha disfarçada de jantar.
Peguei o paletó da cadeira e fui até a porta.
Antes de sair, ainda falei sem encarar ninguém
— Quando eu estiver pronto... eu volto a esse assunto. Mas enquanto isso, parem de decidir por mim.
***
A casa estava num silêncio estranho. Aquele tipo de silêncio que parece pesar nas paredes, como se tivesse alguma coisa esperando para explodir.
Eu subi pro quarto — não pro meu. Para o dela.
Não sei por quê, só... fui. Talvez fosse o cheiro, a lembrança, o costume. Talvez fosse a saudade mal resolvida que me dava no estômago toda vez que eu ouvia o nome dela. Ou talvez fosse só culpa. Eu já nem sabia mais.
Abri a porta devagar. A luz do abajur ainda estava acesa, como se ela tivesse saído correndo no meio de um pensamento. A colcha estava bagunçada, mas com aquele jeitinho que só a Larissa tinha de deixar as coisas do jeito certo mesmo quando estava com pressa.
Sentei na beira da cama. Aquele cheiro. Um misto de amêndoas e alguma coisa doce que eu nunca soube o nome, mas que era só dela. Puxei o travesseiro e encostei o rosto ali por um segundo. Só pra sentir.
Foi quando a porta rangeu.
Levantei o olhar e lá estava Margarida. Parada, com uma toalha na mão, surpresa, como se eu estivesse invadindo um território sagrado.
— Desculpa — disse ela rápido. — Eu pensei que o senhor estivesse no seu quarto..
— Não, tudo bem. Pode entrar — respondi, ajeitando o travesseiro de volta no lugar.
Ela entrou devagar, sem saber se devia, e parou perto da cômoda.
— Tá tudo certo com a Larissa? — perguntei, quase num tom casual, mas com um aperto na garganta. — Quer dizer... ela tá estranha. Magra demais. Tá com aquele olhar que ela só tinha quando o pai dela ficou doente.
Margarida hesitou.
— Não sei de nada, senhor. A senhora Larissa não comentou comigo.
— E você? — insisti. — Acha que ela tá bem?
Ela pareceu pensar um pouco antes de responder.
— Sinceramente? Eu acho que ela tá... abalada.
Fiquei em silêncio por um instante.
— Mas ela não disse nada? Nem uma palavra sobre... sei lá, o divórcio?
Margarida balançou a cabeça devagar.
— Não, senhor. Só... anda mais calada. Mais no mundo dela. Mas isso é comum. A senhora Larissa sempre guardou muita coisa pra dentro. Só que agora... ela guarda mais ainda.
— Ela não contou pra você se tem alguém? Se aconteceu alguma coisa?
— Não. Nunca ouvi nada. — Margarida hesitou de novo. — Mas o senhor me permite dizer uma coisa?
O olhar dela se acendeu, meio com medo, meio com orgulho ferido.
— Eu não fiz nada de errado, senhor. Se tá me acusando de alguma coisa, não tem provas. Eu só trabalho aqui. E entendo perfeitamente que... talvez a sua curiosidade com a senhorita Larissa seja mais pessoal que profissional. Mas isso não é da minha conta, não é?
Aquela frase me fez respirar fundo. Ardia.
Eu me recomponho.
— São assuntos da empresa.
E saí. Não bati na porta de Oliveira. Entrei direto.
Ele quase pulou da cadeira.
— Sr. Alessandro! Bom dia!
— Onde está a Larissa?
Ele engoliu em seco, mexendo nos papéis como se fosse achar a resposta neles.
— Ela... ela viajou ontem. Para o evento em Chicago. Aquele congresso que teve ontem à noite.
Fiquei parado por um segundo. O estômago virou.
— Com quem?
Ele hesitou. A voz saiu num sussurro.
— Com... com o Rafael.
A raiva me subiu de um jeito que nem deu tempo de pensar. Atravessei a sala, segurei o colarinho da camisa dele com força.
— Por que diabos você não me avisou?
— Você... você disse que era pra eu resolver. Disse que estava cheio de coisas e que não queria mais ser interrompido com... com detalhes.
Fechei os olhos, respirei fundo. Tinha dito isso, sim. Mas não sobre Larissa.
Soltei a camisa dele com força, fazendo ele dar um passo pra trás.
— Quando eles voltam?
— O voo deles... parte de lá às vinte horas, senhor. Devem chegar aqui de madrugada.
Saí da sala sem dizer mais nada.
O barulho da minha própria respiração me irritava.
Ela mentiu. Disse que ia pra casa do pai. E foi para Chicago com o Rafael.
Comentários
Os comentários dos leitores sobre o romance: Aliança Provisória - Casei com um Homem apaixonado por Outra
Esse tbm. Será que nunca vou ler grátis...