Mas aí ela arqueou a sobrancelha.
— Não é nada disso que você tá pensando. Eu só quero fazer um curativo nesse seu machucado aí. Tá horrível.
Automaticamente levei os dedos até a lateral da boca. Estava doendo desde aquele soco do desgraçado, mas nem percebi que tinha aberto.
— Ah… é. Claro, o curativo. — engoli seco, rindo de leve. — Tô precisando mesmo.
É óbvio que eu aceitei. Qualquer desculpa pra estar perto dela, eu agarrava.
Subimos em silêncio. A respiração dela era calma, controlada… a minha? Uma bagunça completa.
Entramos no apartamento, tudo estava quieto. Um contraste enorme com a loucura da festa de antes. Ela me chamou com um gesto de cabeça, apontando pro corredor.
— Vem, vou pegar o kit no banheiro.
Segui atrás dela, tentando não olhar demais… e falhando miseravelmente. Como era possível essa mulher continuar me deixando tão nervoso?
No banheiro, ela abriu o armário, tirando o kit de primeiros socorros. Se moveu com naturalidade, como se ainda lembrasse da última vez que cuidou de mim.
— Senta aí. — apontou pro vaso, segurando a gaze com antisséptico.
Soltei uma risada fraca.
— É, romântico do jeito que a gente é, né?
Ela revirou os olhos, mas sorriu de canto. Me sentei e ela se inclinou devagar e começou a limpar o ferimento com cuidado. Quase esqueci da ardência, porque eu só conseguia olhar pra ela.
Cada traço do rosto dela me hipnotizava. A curvatura dos lábios, o nariz levemente empinado. os cílios longos. A pele quente tão perto da minha.
Na minha cabeça só vinha o nome dela. Larissa. Larissa. Larissa.
Ela terminou a limpeza e pegou um curativo pequeno, colando com delicadeza. O toque dos dedos dela me deu um arrepio no corpo inteiro.
Quando ela levantou os olhos e os nossos se encontraram… o tempo parou. Juro por tudo. Eu fiquei ali, travado, preso naquele olhar como se não houvesse mais nada no mundo. Nem ferida, nem festa, nem ex, nem empresa em crise.
Era só ela.
Ela pareceu perceber porque limpou a garganta, recuando um passo.
— Pronto. Agora pode se olhar no espelho e ver o estrago.
Levantei devagar, dei uma olhada e até tentei brincar:
— Acho que fiquei com cara de valentão.
Ela riu baixinho e saiu do banheiro. Eu fui atrás. No caminho até a porta, o silêncio voltou, mas agora estava carregado… de algo não dito. De tensão. De um “quase”.
Quando ela abriu a porta, me virei pra me despedir. Dei um passo mais perto, devagar e deixei um beijo… bem próximo dos lábios dela. Quase lá. Quase.
— Boa noite, Larissa.
Ela ficou tensa, mas respondeu com a voz baixa:
— Boa noite, Alessandro.
Saí sem olhar pra trás. Porque se olhasse, talvez eu voltasse. E isso não era parte do plano. Ainda.
Entrei no carro e respirei fundo. Toquei os lábios com a ponta dos dedos.
Doíam ainda. Mas, sinceramente?
Valia cada segundo.
E esse sorriso bobo no meu rosto não ia sair tão cedo.
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(Larissa)
Acordei com a luz suave entrando pela janela e a cabeça cheia de pensamentos. Fiquei ali deitada por alguns minutos, com o travesseiro meio torto, repassando tudo que aconteceu ontem.
O show. O camarim. A festa. Breno…
Fechei os olhos por um segundo, tentando afastar aquela sensação ruim que ele me causou. Mas então a lembrança de Alessandro invadiu minha mente… o jeito como ele chegou, como me protegeu, como me abraçou com força como se nada mais importasse além de mim.
Suspirei, tentando organizar aquela confusão dentro de mim.
Levantei devagar, ajeitando a blusa, e fui em direção à cozinha. O cheiro de café já preenchia o ar, quente e reconfortante.
— Bom dia, pai. — falei, com a voz ainda meio rouca.
Ele estava de costas, mexendo na cafeteira e se virou sorrindo.
— Bom dia, filha. Dormiu bem?
— Mais ou menos… — dei um sorriso fraco. — E o senhor, como tá hoje?
— Melhorando… aos pouquinhos, mas tô firme. — ele disse, esticando as costas e ajeitando a xícara no balcão. — Vai sentando aí, que já tô terminando aqui.
— Que nada. — coloquei a mão na cintura e balancei a cabeça. — Vai sentar o senhor. Deixa que eu termino o café.
Ele riu e se afastou, sentando à mesa com aquela calma que só o tempo traz.
Enquanto eu arrumava as xícaras, ele me olhou de canto.
— E o show ontem? Como foi?
A colher parou por um segundo na minha mão.
Engoli seco e meus olhos se perderam na pia por um instante.
Um turbilhão de sensações. Breno me forçando, o medo. Mas também… Alessandro. O abraço dele, o cuidado e aquele curativo no meu banheiro.
— Foi bom. — respondi, mantendo o tom neutro. — Diferente, mas bom.
Meu pai assentiu, sem pressionar.
Fui até a escola. Ao chegar, cumprimentei alguns funcionários e fui até a sala da diretora. Ela me recebeu com um sorriso caloroso.
— Larissa! Que bom te ver por aqui.
— Oi, dona Marta. Vim buscar as atividades do Gabriel… e também conversar sobre quando ele pode voltar.
Ela assentiu, pegando a pasta com as folhas.
— Ele tá fazendo falta por aqui. Os amiguinhos sempre perguntam por ele. Como ele está?
— Melhorando. Hoje mesmo passamos pela revisão. Se tudo continuar assim, acho que em breve ele já pode voltar.
— Ótimo. Podemos organizar um retorno gradual. Você me avisa, e a gente monta o esquema juntos, tá?
— Combinado. Obrigada por toda atenção, de verdade.
— Imagina. O Gabriel é uma criança maravilhosa. Vai ser um prazer tê-lo de volta.
Peguei as atividades, agradeci mais uma vez e saí da escola sentindo algo que há muito tempo não sentia: leveza.
O dia estava só começando, mas de alguma forma… eu sentia que estava no caminho certo. E que, apesar dos tropeços, talvez tudo estivesse finalmente começando a entrar no lugar.
Entrei no prédio com meu salto ecoando pelo chão de mármore, os olhos firmes à frente. Meu crachá balançava no pescoço e o celular vibrava com mais um e-mail chegando, mas eu não olhei. Não ainda. Tinha uma reunião para liderar e eu sabia que cada minuto contava.
— Bom dia, Larissa. — o segurança me cumprimentou.
— Bom dia, João. — respondi com um sorriso breve, entrando direto no elevador.
Apertei o botão do último andar e respirei fundo. Quando aceitei assumir temporariamente a liderança do projeto, muita gente torceu o nariz. Eu era designer. Criativa. “A mente por trás do visual”, como diziam. Mas agora, ali, eu era mais que isso. Eu era a frente da nova proposta de expansão da empresa, e ninguém mais conhecia tão bem esse produto quanto eu.
A sala de reunião já estava cheia quando entrei. O silêncio se instalou por alguns segundos e eu senti todos os olhares se voltarem para mim.
— Bom dia. — falei com firmeza, colocando a pasta sobre a mesa. — Vamos direto ao ponto. A fase dois do nosso projeto de automação para o setor agropecuário foi finalizada e os resultados dos testes no campo superaram o que esperávamos.
Puxei o controle do slide e mostrei os gráficos na tela. Números sólidos. Feedback positivo de produtores. Eficiência aumentada em 37%. Custo de produção reduzido. Todos começaram a se mover nas cadeiras, trocando olhares empolgados.
— Esse lançamento não é só sobre um novo equipamento. — continuei, com o tom confiante. — É sobre mudar a forma como o pequeno e médio produtor trabalha. É sobre dar voz e ferramenta a quem carrega o agro nas costas desse país.
Parei por um segundo e olhei ao redor.
— E é isso que vai nos levar ao mercado internacional.
Os olhares arregalados, os sorrisos surpresos. O sócio do setor financeiro foi o primeiro a bater palmas, logo seguido pelos outros. Em segundos, a sala inteira estava aplaudindo.
Eu sorri de lado, satisfeita. Nada daquilo foi fácil. Horas viradas, reuniões tensas, negociações duras. Mas naquele instante, eu sentia que tudo tinha valido a pena.
— Agora, temos o cronograma do pré-lançamento. — falei, voltando ao slide. — Nossa primeira apresentação oficial será na feira internacional em Curitiba, mês que vem. A produção piloto começa segunda-feira. Todos prontos?
— Prontíssimos, Larissa. — disse Ana Paula, do marketing. — E parabéns. Você arrebentou.
Assenti, agradecendo. A reunião continuou com os próximos passos, mas a sensação era outra. Eu sentia respeito. Confiança.
Saí da sala quase uma hora depois, com o celular na mão e o coração acelerado, mas agora de empolgação. Gabriel estava com Julia, tudo certo. Meu pai ia fazer fisioterapia no fim da tarde. E eu? Eu estava exatamente onde eu queria estar.
Comentários
Os comentários dos leitores sobre o romance: Aliança Provisória - Casei com um Homem apaixonado por Outra
Esse tbm. Será que nunca vou ler grátis...