(Larissa)
O cheiro de sangue já não me causava mais enjoo. Acho que meu corpo se acostumou à podridão desse lugar.
Mas hoje... hoje foi diferente.
Eu assisti. Vi com meus próprios olhos quando os homens de Enzo entraram e começaram a espancar Matheus como se ele fosse um saco de carne velha. Chutes, socos, coronhadas. Ele nem teve chance de reagir. Estava algemado. Gritava, se contorcia. E mesmo assim eles continuavam.
Agora ele tá ali, jogado num canto da cela, ofegante. A respiração dele é fraca, irregular. O rosto, desfigurado. Sangue seco cobrindo o queixo, o nariz... tem manchas no chão, nos meus pés, no meu rosto. Não dá mais pra saber o que é sangue dele e o que é meu.
Eu nunca vou esquecer disso.
Abaixei o olhar pros meus pés sujos e descalços. A cabeça girava com tudo o que ouvi.
Chiara.
A desgraçada da Chiara. Matheus contou... ele e ela. Eles mataram o próprio pai dele, ou melhor, ela matou e Matheus encobriu. .
E mais, ela se envolveu com os dois irmãos, ao mesmo tempo. Enquanto ainda era casada com o pai deles.
O estômago embrulhou. Tentei engolir seco, mas só consegui engasgar no próprio nojo. Eu devia ter vomitado tudo ali mesmo.
Foi então que ouvi os passos. Respirei fundo. Não grita, Larissa e não chora.
Mas era impossível controlar o corpo inteiro tremendo.
Enzo apareceu com um prato na mão e um sorriso quase simpático no rosto. Quase.
— Hora do almoço, docinho.
Revirei os olhos, desviando o rosto.
— Não tô com fome.
Ele parou. Ficou em silêncio por um segundo. Quando respondeu, a voz já era outra, mais fria e ríspida.
— Vai comer sim.
Antes que eu pudesse reagir, ele se abaixou na minha frente e segurou meu queixo com força. Tanta força que senti a pele rasgar com a pressão dos dedos.
— Enzo, solta... — gemi, a dor era absurda.
Ele enfiou uma colherada da comida na minha boca à força. Era algum tipo de arroz requentado, sei lá. Não importava, porque eu cuspi tudo no rosto dele.
Ele deu um pouco, com o rosto sujo de arroz e saliva. Foi uma reação automática minha, um instinto.
Mas no segundo seguinte o tapa veio tão rápido que nem vi, minha cabeça virou com o impacto e o gosto do sangue encheu a minha boca. Fiquei tonta por um segundo, com o zumbido no ouvido.
— Seu desgraçado… eu te odeio, odeio ao menos ter pensado em gostar de você! — murmurei, ainda sentindo a dor do lado direito do rosto.
— Você me odeia? — ele perguntou, e... sorriu. Sorriu.
— Odeio. Odeio ter deixado você chegar perto de mim. Odeio ter achado que você... que você era alguém bom.
— Eu gosto de você, Larissa. Amo você, aliás.
Quase cuspi na cara dele de novo, mas não tive tempo. Ele me segurou de novo pelo queixo e enfiou outra colher de comida na minha boca. Dessa vez, quando tentei cuspir, ele tapou minha boca com a mão suja.
— Engole.
— MMMH!!
— Engole, porra.
A pressão dele na minha mandíbula era absurda. Eu não conseguia respirar direito. Tive que engolir. Chorei. Mas engoli.
Ele repetiu isso mais umas cinco vezes. Eu já não sentia mais o gosto da comida. Só da humilhação. A garganta ardia. A boca sangrava. Mas a pior dor... era a que vinha de dentro.
Quando ele finalmente se levantou, eu cuspi no chão, tentando me livrar da sensação.
— Como você descobriu que o Alessandro não assinou os papéis? — perguntei, baixinho.
Não sei.
Mas eu...Eu precisava sair dali.
***
Eu estava sentada no chão frio da cela, os joelhos encostados no peito, os braços ainda amarrados para trás.. O gosto metálico ainda insistia na minha boca e meus olhos estavam pesados, cansados... mas eu não conseguia dormir. O som da respiração falha de Matheus era tudo o que ecoava naquele lugar maldito.
Então eu ouvi passos outra vez.
Automaticamente, levantei a cabeça. Os passos pararam por um instante, e logo vieram vozes abafadas. Era Enzo. Reconheceria aquela voz mesmo se estivesse morta. Mas ele não estava sozinho. Estava falando com alguém do lado de fora da cela... e eu só tive tempo de me aproximar da grade e me encolher num canto, rezando pra não perceberem que eu estava ouvindo.
— Ele vai vir, eu conheço aquele idiota — Enzo dizia, baixo, mas com uma raiva envenenada na voz. — Ele ainda acha que pode salvar ela.
— E como a gente vai fazer isso? — perguntou o outro homem, que eu não consegui reconhecer.
— Vamos mandar uma localização falsa. Um depósito abandonado. Dizer que ela tá lá, desacordada. Ele vai correr até lá feito um cachorro, aí a gente finaliza.
Eu gelei.
Meu coração começou a bater tão alto que parecia que o mundo inteiro podia ouvir. Alessandro... meu Deus, ele ia cair direitinho nisso. E Enzo ia matar ele. Ia matar por minha causa.
Me afastei da grade como se ela estivesse em chamas. A respiração começou a acelerar, a garganta travou. Meus olhos encheram de lágrimas, e eu senti aquele desespero subir pelo meu peito até se transformar em um grito.
— NÃO! NÃO! NÃO FAZ ISSO! PELO AMOR DE DEUS! — gritei, batendo nas grades com força. — VOCÊ NÃO VAI MATAR ELE! VOCÊ TÁ LOUCO, ENZO! ENZO!!!
Mas ninguém apareceu. Nada. Nem um passo, nem uma resposta. Só o silêncio gelado.
Voltei a me encostar na parede, os braços tremendo. Me sentia enjoada, suja. O rosto ainda ardia, mas era outra dor que doía mais agora. A dor de saber que alguém ia morrer por minha causa.
Eu fechei os olhos, tentando não pirar.
Senti uma lágrima escorrer pela bochecha. Eu já tinha sido usada, manipulada, traída... mas agora, eu era a isca. Eu era o caminho pra mais sangue. E eu não sabia como impedir isso.
Olhei pra Matheus, imóvel no chão, respirando com dificuldade. Eu estava sozinha. Eu precisava fazer alguma coisa. Qualquer coisa. Antes que fosse tarde demais.
Comentários
Os comentários dos leitores sobre o romance: Aliança Provisória - Casei com um Homem apaixonado por Outra
Esse tbm. Será que nunca vou ler grátis...