Mil quatrocentos e sessenta e seis dias depois, eu pus a chave na fechadura da minha casa própria.
Antes que eu entrasse, Melody passou por entre minhas pernas, correndo pelo espaço vazio do cômodo da sala e cozinha, que eram conjugados.
- E então? – Perguntei-lhe.
- Eu amei... – ela sorriu, os dentes branquinhos brilhando e parte da gengiva aparecendo, de tanto que abriu os lábios – Amei! – Gritou.
- Não grite, Medy.
- Mas faz eco, mamãe... Tente também.
- Não.
- Ah, mamãe...
Deu um grito estridente, que ecoou pelo vazio da casa. Começamos a rir. Peguei-a por trás e comecei a fazer-lhe cócegas, enquanto ela tentava se desvencilhar, embora estivesse gostando.
Ela jogou-se no chão e eu ajoelhei-me sobre ela, seguindo com as cócegas e depois a enchendo de beijos na bochecha e pescoço.
Eu sempre achei que nenhum aroma fosse melhor do que certos perfumes importados. Estava enganada. Cheiro de filho era a melhor essência do mundo. Se pudesse, eu guardava num frasco e usaria sem moderação, diariamente.
- Eu já disse que amo você hoje? – Perguntei.
- Eu acho que... – ela fez um mistério – Só umas vinte vezes.
Levantei e a ajudei a ficar de pé também:
- Vamos lá, garotinha. Temos que desembalar tudo... E... – olhei no relógio – Dentro de duas horas tenho aula marcada. Sabe que não posso atrasar.
- Por que você trabalha tanto, mamãe?
- Sabe que já me fiz esta pergunta? – peguei-a no colo novamente, encarando-a – E a resposta é: infelizmente os adultos precisam fazer isso.
- Mas... Por que os adultos precisam fazer isso?
- Para adquirir coisas, comprar comida, sobreviver... E se der tempo, viver de vez em quanto ou comprar uma casa, parcelada, que talvez você nem estará viva quando chegar o dia da última prestação.
- O que é prestação?
- Ah, Deus... Quem sabe você vai lá ver se o seu quarto já chegou e começa a abrir as embalagens?
- Vamos reciclar?
- Ok, vamos reciclar. – Revirei os olhos.
A campainha tocou e eu ri:
- Nossa primeira visita.
- Eu abro. – Ela correu na frente, abrindo a porta e jogando-se nos braços de Yuna.
Do-Yoon estava junto.
- Entrem, visitas. Sejam bem-vindos. – Fiz uma reverência.
Eles retiraram os sapatos na porta. Percebi que eu não havia retirado os meus.
- Mamãe, esquecemos os sapatos! – Melody retirou os dela, pondo na porta.
- Bem, a casa é de vocês. Então, teoricamente, estão livres de retirar os sapatos. – Do-Yoon observou.
- Mas se fizermos isso não estaremos protegendo nosso lar da possível contaminação da rua. – Melody falou rapidamente.
- Foram cinco anos que vocês me obrigaram a retirar os calçados. Agora querem que eu volte ao hábito antigo? Nem pensar. Entrem.
- É um animal dócil e dá pouco trabalho. Vocês têm um belo quintal na frente e nos fundos. Ela pode ficar livre.
Meneei a cabeça, pensativa:
- Eu não sou muito boa em cuidar de animais. Quando era pequena tive um peixe... E matei ele.
- Posso apostar que foi sem querer.
- Sim, foi. Mas sofri a morte dele como se fosse uma pessoa.
- A tartaruga não vai morrer, não se preocupe. – Yuna me tranquilizou.
- Mamãe, o que acha de chamarmos ela de Tuga?
- Tuga? Eu acho... Criativo.
Mal tinha tempo para cuidar de Melody. Agora teria que cuidar da tartaruga também. Mas ver a felicidade dos olhos da minha menina fez minha resistência ir embora em segundos.
- Ela precisa de sol diariamente. – Do-Yoon explicou – Aqui na sacola já tem comida. Água precisam encher sempre que necessário esta tigela que fica no ambiente dela.
- Ok. Mamãe vai me ajudar, Tuga e você será feliz na nossa casa. – Melody saiu com o animal para o quintal dos fundos.
- Do-Yoon, preciso que instalem os ares condicionados imediatamente. O calor está insuportável e dormir nestas noites quentes será difícil.
- Já vou ligar para o instalador. Se ele não conseguir colocar todos, pelo menos os dos dormitórios.
- Sim, me ajudaria.
- Vamos desembalar os móveis... Depois passamos para os objetos pessoais de vocês. – Yuna sugeriu.
- Nossos objetos pessoais são poucos... Ainda não acredito que depois de cinco anos eu consegui deixar a casa de vocês. – Dei um pulo de alegria.
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