Pouco antes do sol nascer, Nicole abriu os olhos e se sentou no colchão encardido. Abraçou o travesseiro contra a barriga e olhou em volta. A persiana fechada bloqueava a entrada da luz.
Levou a mão à nuca e gemeu baixinho ao sentir um pequeno inchaço. Tudo o que ela lembrava era que saiu do hospital São Miguel às pressas, pegou o táxi e seguiu ao local marcado para se encontrar com a tia.
Nicole levantou-se com certa dificuldade e foi até a porta em passos lentos. A ansiedade e o medo assombravam a sua mente. Ela chegou mais perto e tocou na maçaneta, girou desesperadamente e puxou diversas vezes.
― Me deixa sair daqui! ― berrou. ― Por favor, eu estou grávida. ― Me soltem.
― Fecha essa matraca, madame! ― A voz masculina ordenou.
― Por favor, eu tenho um filho pequeno. Eu preciso ir para casa, me deixe ir embora ― pediu a voz embargada pelo choro.
Por quase dez minutos ela bateu na porta repetidas vezes e implorou que a soltassem. Não havia dúvida que aquilo era um cativeiro em algum lugar desconhecido. Nicole abaixou-se próximo à parede e se sentou no chão, sua única saída era esperar que alguém a encontrasse.
O barulho de chave na porta fez Nicole se levantar, uma mulher de pele alva e poucos centímetros mais baixa que ela entrou no quarto com um pouco de água e pão.
― Não tente nenhuma gracinha ou o meu namorado vai te apagar ― falou com uma voz estridente. ― Senta ali e come! ― Apontou para o colchão sujo.
Nicole não sabia ao certo quem era aquela mulher, provavelmente era uma cúmplice da pessoa que a acertou com uma coronhada poucos minutos depois que ela saiu do táxi.
― Eu preciso ir ao banheiro.
Nicole sentou e pegou o pão e a água.
― Você pode fazer suas necessidades ali. ― Apontou para o balde de ferro perto da janela. ― Se a madame andar na linha, logo vai cair no mundo e vai poder ver seu homem e seu filho.
Mesmo sem compreender, Nicole permaneceu quieta. Comeu um pedaço do pão com margarina e bebeu a água. Seja lá quem fossem os seus sequestradores, o casal parecia conhecê-la, ou pelo menos eles seguiam seus passos.
― Foi a Joanna que mandou vocês me sequestrar?
― Eu nunca ouvi o nome dessa vadia.
― O que vocês querem comigo?
A mulher atarracada encaminhou-se até a porta e balançou a cabeça ao olhar o ventre arredondado de Nicole.
― Daqui a pouco eu trago a sua ração.
Algumas horas mais tarde, Nicole se remexeu no colchão, o suor minava na pele e escorria pelo rosto naquela tarde quente e escaldante. Por um momento, ela fechou os olhos e imaginou que estava em sua humilde casa com Alex e Rodolpho. Tocou a barriga quando Jullie se mexeu, Nicole tinha certeza que a filha almejava o mesmo.
O barulho da voz alterada que vinha do outro lado da porta roubou-lhe a concentração. Nicole saiu e levantou com certa dificuldade para ouvir o que estava acontecendo.
― Você não falou que a madame era buchuda! ― Nicole ouviu a voz da cúmplice. ― Tu não pode fazer isso com ela, Zé!
― Fala, doutor! ― A voz penetrante chamou a atenção de Nicole. ― O preço da sua mulher subiu um pouco, eu vou querer o dobro ― disse em voz clara de modo que Nicole ouviu. ― Pois é, doutor, são negócios.
Ela pôs de lado o travesseiro logo que ouviu a voz barítona e prepotente no viva-voz, estava disposto a fazer de tudo para libertá-la. Nicole encheu-se de coragem e sem pensar nas consequências, ficou em pé e aproximou-se da porta de madeira estufada cheia de cupins.
― Socorro, Alexander ― gritou na esperança de que o esposo a escutasse. ― Ele vai me matar.
Seus olhos pousaram sobre a maçaneta que movia enquanto o sequestrador abria a porta. Nicole correu para o canto e depois de um tapa no rosto seguido de outro, não havia mais o que pensar.
― Pare, por favor! ― implorou enquanto protegia o ventre.
Olhou a porta aberta e tentou se levantar, mas as mãos calejadas do homem comprido a seguraram pelo cotovelo e a arrastaram para o colchão. Deu-lhe outro tapa, deixando a pele do rosto vermelha.
― O que você está fazendo, Zé? ― A comparsa apareceu na porta com duas sacolas. ― Não faz isso! Ela vai acabar parindo aqui.
― Dá um jeito nessa vadia! ― Mandou o tom alterado. ― Eu vou pegar o pagamento com a patroa e quando eu voltar ― os olhos vermelhos encararam Nicole ―, eu vou baixar essa vadia na cesárea.
Mesmo com a dor no rosto, Nicole deitou-se resignada enquanto as mãos pequenas da sequestradora limpavam o sangue que escorria pelo canto da boca.
Pensou em engatinhar até a porta aberta, mas se conteve, assim que refletiu sobre as últimas palavras do meliante. Fechou os olhos e fez uma pequena prece e agarrou-se à fé e à pouca esperança que ainda lhe restavam.
Copyright © 2.021 por Ana Paula P. Silva
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