Se Yuna disse que não poderia contar, Melody realmente não contaria, pois levava muito a sério o que a “tia emprestada” falava.
- Eu... Vou indo. – Gui tentou me entregá-la, sem sucesso.
Melody grudou-se nele, as pernas enroladas em seu corpo:
- Gui, vamos tomar chocolate quente todos juntos? Eu, você e minha mamãe. – Ela pegou a minha mão, fazendo-me aproximar-se deles.
A respiração de Guilherme ainda estava ofegante. Eu tentava me recompor e pôr os pensamentos em ordem.
- Filha, é tarde, muito tarde. Gui tem aula amanhã e precisa dormir e descansar.
- Mas amanhã é sábado. – Ela lembrou.
Revirei os olhos e sentei no sofá. Guilherme sentou ao nosso lado, com ela ainda no colo.
- Mamãe, eu quero um copo bem cheio de chocolate quente.
Peguei a térmica que ele havia trazido e fui até a cozinha, enchendo as canecas. O cheiro estava bom.
Me vi pondo água atrás do pescoço, tentando apagar completamente o fogo que me consumia há minutos atrás.
Respirei fundo, apoiando-me no balcão da pia e segui, com as canecas de chocolate fumegantes.
Sentei-me no sofá e eles estavam com a televisão ligada, olhando um filme infantil, que Melody já havia assistido no mínimo umas vinte vezes, só naquele mês.
Melody estava sentada no sofá e Gui ao lado dela. A pus no meu colo e assoprei o líquido da caneca dela, tentando esfriar seu chocolate.
Os olhinhos dela estavam vidrados no filme, mas vez ou outra ela contava para Gui o que iria acontecer, ou falava junto do personagem, já tendo decorado exatamente todo o diálogo.
Bebeu seu chocolate, sem dizer nada, pois estava muito concentrada.
Vi a caneca de chocolate na altura da minha boca. Gui a segurava, para eu conseguir beber:
- Prove enquanto está quente. – Ele disse.
Aceitei o gole do líquido escuro, cremoso e doce. Estava maravilhoso. Encontrei seus olhos, que estavam fixos nos meus, esperando por um veredito.
- Obrigada... Está muito bom.
- Fico feliz que tenha gostado. – Sorriu, de uma forma tão natural, ficando ainda mais lindo, em nada parecendo aquele garoto forçado da escola.
Enquanto Melody repousava sobre meu colo, Guilherme segurava a caneca para eu beber. Aquilo me deixou encantada e sentindo-me segura e acolhida, depois de tantos anos.
Sim, ele era um garoto de 18 anos. Eu com 18 anos fui mãe. E a maternidade, que veio junto com a expulsão de casa, me pondo num choque de realidade, me fez amadurecer e crescer.
Eu fui acolhida por Yuna e Do-Yoon. E se não fosse os dois, jamais teria conseguido. Me ajudaram financeiramente e me ensinaram a ser uma pessoa melhor. Cuidaram da minha filha e acreditaram que eu superaria todos os obstáculos.
Mas sempre me senti solitária. E talvez por este motivo fiz uma espécie de bolha ao redor de mim e Melody. E decidi que viveria com e para ela. E me pus de lado... Esqueci que eu não era só Sabrina Mamãe... Eu era Sabrina mulher. E me anulei completamente. Por cinco anos eu não saí, não bebi, não fiz nada do que uma pessoa normal da minha idade faria.
- Bom dia! – Fiquei parada onde estava, não conseguindo me mover.
Ficamos um tempo assim, nos olhando, cada um imerso nos seus próprios pensamentos. No meu caso, a cabeça estava vazia. Me faltavam palavras ou ações para aquele momento constrangedor.
- Ela... Ainda está dormindo. – Ele disse, talvez para puxar conversa.
- Sim... Você... Quer usar o banheiro? – Ofereci.
- Sim... Obrigado.
Ele entrou e fechou a porta. Fui até a cozinha e preparei um café, leite e arrumei a mesa, pondo alguns biscoitos decorados com confeitos, cereais matinais de chocolate e açucarados.
Guilherme escorou-se no batente da porta e cruzou os braços, os olhos passeando pelo meu corpo:
- Você consegue acordar ainda mais linda!
- Gui, por favor, não!
- Eu nem acredito que você dormiu nos meus braços, Sabrina.
- Olha só, isso não deveria ter acontecido.
- Se Melody não tivesse chegado, você sabe que teria acontecido. E não minta que não queria... Porque eu sei que queria, tanto quanto eu.
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