Levantei o rosto na direção dele e fiquei a pensar se ele tinha barba ou fazia tão bem-feita que deixava seu rosto completamente liso.
Peguei o caderno dele e comecei a olhar as contas, todas corretas.
- Você é casada? – Ele perguntou.
- Não. – Me ouvi dizendo.
- Não percebi aliança no seu dedo.
- Eu posso ter alguém e não usar uma aliança. Aliás, é uma mera joia, não tem significado algum.
- O que sua filha queria?
- Isso é pessoal.
- Sabe que eu a ajudei agora pouco. Eles não parariam se eu não pedisse.
- A professora aqui sou eu.
- É a professora, mas não a autoridade.
- Estou aqui só para dar a minha aula.
- E eu para terminar esta porra de Ensino Médio.
Olhei na direção dele:
- Não pode falar palavrões.
- E desde quando porra é um palavrão?
Juro que ouvi a voz de Charles naquele momento. Senti um frio na espinha e meu corpo amolecer completamente.
- Você está bem? – Ele abaixou-se, aproximando-se ainda mais de mim.
- Sim... Estou... – Menti, balançando a cabeça.
Guilherme pegou o caderno e falou:
- Desculpa.
- Está... Desculpado.
Enquanto ele voltava para o lugar, percebi vários olhares na minha direção, curiosos.
Levantei e disse:
- Bem, eu vou compartilhar uma situação com vocês. Ontem eu dei um peixe para minha filha. Ela amou. E hoje... Quando eu estava saindo para vir para cá, vi um gato ao lado do aquário e nem sinal do peixe beta. Ou seja...
- O gato comeu o peixe, professora. – Um dos alunos falou.
- Sim... E agora não sei como contar para ela. Já tivemos uma perda recente... No caso, uma tartaruga.
- Sua casa é um Zoológico? – Rachel debochou e alguns riram.
- Quantos anos ela tem? – Guilherme perguntou.
- Cinco... Segundo a contagem ocidental.
- E na oriental?
- Faz seis em breve.
- No ano novo chinês. – Ele me surpreendeu novamente.
- Sim...
- Compra um peixe novo e ponha no aquário antes de ela chegar em casa. Peixes betas são todos iguais. Ela não vai perceber. – Guilherme sugeriu.
- É... Uma ótima ideia. Obrigada. – Sorri, visualizando uma alternativa.
- Enciumada? – Guilherme perguntou furioso.
- Porque você fica dando em cima da professora nova.
Do-Yoon encarou-me e disse:
- Vou levá-la para conversar com Sibila, Rachel. A enfermeira está num curso de primeiros socorros. Mas há tudo que precisa na sala, Sabrina. Se não conseguir fazer um curativo, me chame.
- Ok.
Guilherme seguiu até o último degrau e foi pelo corredor. Eu fui atrás dele, pois não lembrava onde era a Enfermaria.
Assim que ele parou em frente a sala com uma porta de vidro jateado, branco, eu a abri com a chave mestra. Havia duas macas perfeitamente cobertas com plástico resistente e uma mesa pequena, branca, com cadeira confortável, contendo blocos e cadernos. Um armário descrito como “Primeiros Socorros” foi o que abri. Peguei um antisséptico, gaze e um soro.
Ele estava sentado sobre a maca, os pés descansando na pequena escada.
- Deixe-me ver o ferimento. – Pedi.
Ele retirou a camiseta branca, toda manchada de sangue. Fui até a mesa e pus uma luva.
- Acho que você é muito azarado – observei – Quem se fere deste jeito com uma régua?
- Sou azarado porque Rachel me persegue. E talvez isso não acabe nunca.
- Já conversou com ela a respeito? – Perguntei, enquanto limpava o ferimento com a gaze e o soro.
- Estou numa fase que não quero mais falar com ela, porque definitivamente não resolve de nada.
O sangue continuava a sair, porém o corte era pequeno, embora um pouco profundo.
- Feche os olhos. Vou passar o antisséptico.
Ele obedeceu. Passei delicadamente o medicamento e ele comprimiu os lábios, certamente sentindo dor.
A pele dele era lisa e os lábios grossos. Me peguei umedecendo os meus próprios lábios quando ele abriu os olhos, me surpreendendo.
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