“Heitor”
Samantha e eu ficamos muito tempo abraçados. Eu me perdi em memórias. Lembranças que eu queria enterrar bem fundo e não queria compartilhar com ninguém. Sentir que ela estava ali, me abraçando, me apoiando, de certa forma foi um bálsamo sobre toda aquela ferida aberta.
Quando nos soltamos a olhei nos olhos, convicto de que se não fosse ela, não seria ninguém mais a ficar na minha vida, a estar ao meu lado, a me ajudar a deixar toda a dor causada pelo meu pai no passado.
- Volta pra mim, Sam, pra sempre. – Pedi com um sussurro.
- Heitor... – Ela suspirou. – Você foi pra esse tal haras com ela depois que eu peguei vocês juntos?
- Sim. – Eu não queria falar disso, mas eu tinha que ser sincero com ela.
- E por que você foi?
- Porque ela me enviou um áudio chorando, dizendo que a vida dela tinha acabado e queria morrer e se eu não fosse encontrá-la ela ia se matar. Posso te mostrar a mensagem.
- Não quero ver. – Samantha se virou pra frente e cruzou os braços, numa posição claramente defensiva.
- Sam, eu não gosto dela, mas não posso ser um irresponsável. Eu transei com ela, várias vezes, ao longo de muitos anos. – Eu sabia que falar isso não me ajudaria, mas eu estava sendo sincero. – O mínimo que eu poderia fazer era ver o que estava acontecendo e se eu poderia ajudar, como amigo. – Tentei deixar bem claro que era apenas como amigo.
- Só isso?
- Só isso! – Eu garanti sem titubear. – Eu a encontrei num SPA que ela sempre vai com as amigas. O cartão dela não passou. Então eu paguei o SPA e a tirei de lá. Você pode imaginar a vergonha que ela sentiu ao perceber que não tinha dinheiro para pagar em um lugar em que ela era conhecida?
- Não me peça para ser solidária! – Samantha bufou.
- Estou pedindo para ser empática. – Afirmei. – Quando saímos do SPA a levei até a empresa do pai dela e foi quando ela descobriu que estavam falidos. Ela surtou e o pai dela não tinha como lidar com ela naquele momento, ele estava tentando resolver uma situação bem crítica e a mandou embora sem se preocupar.
- E daí?
- Daí eu quis levá-la para a casa dela, mas ela me pediu para levá-la ao horas e eu levei.
- E daí?
- Porra, Sam! – Eu não achava que ficar falando disso resolveria alguma coisa. – Eu não transei com ela, tá bom! Mas passamos o resto do dia lá e depois eu a deixei na casa dela. Foi só isso, eu juro!
- Quero mais vinho. – Foi a única coisa que a Samantha disse.
- Já tomamos uma garrafa! – Comentei.
- Foda-se! Se vira! Eu quero mais vinho! – Samantha falou irritada.
- Mas daqui a algumas horas você tem que encontrar as garotas para ajudar com os preparativos do casamento da Cat. – Tentei dissuadi-la de beber mais.
- E você vai cuidar para que eu acorde e esteja pronta e linda e sem ressaca, mas agora EU-QUERO-MAIS-VINHO! – Samantha aumentou o tom de voz e eu não ia discutir, ela estava com raiva.
Fui até a cozinha e peguei outra garrafa que havia deixado no climatizador. Voltei para a sala e ela estava com os olhos fixos à frente. Enchi sua taça e ela bebeu de uma vez e me apontou para encher de novo. Depois de beber a segunda taça, da segunda garrafa, percebi que o vinho já estava fazendo efeito.
- A que horas a porra desse sol nasce, hein? – Samantha perguntou, mas já não estava tão irritada e eu achei tão bonitinho que comecei a rir.
- Já são quatro e meia da manhã, daqui a pouco ele nasce. – A puxei para os meus braços e ficamos ali, abraçados e em silêncio.
Ela havia acabado com a segunda garrafa de vinho sozinha. Já estava esfregando os olhos e lutando para permanecer acordada quando o sol começou a se despontar no horizonte. Olhei para a sua cabeça apoiada no meu peito e vi seus olhos brilhando e um sorriso brotar em seus lábios.
O sol deu o seu espetáculo e foi subindo manhoso no céu, transformando a escuridão em luz, anunciando um novo dia e renovando minhas esperanças, afinal, ela estava ali em meus braços, não estava? Sim ela estava! Ela se enroscou mais em mim e devagar seus olhos foram se fechando e ela caiu em um sono profundo.
A aconcheguei mais em meus braços, dei um beijo em sua testa e soltei um suspiro de contentamento. Essa mulher era o meu sol! Adormeci sentindo o seu cheiro e o calor do meu sol em minha pele.
Infelizmente dormimos pouco. Às dez horas precisei acordá-la, nós precisávamos acompanhar nossos amigos nos preparativos para o casamento da Catarina e do Alessandro. Como imaginei ela acordou de ressaca, então a fiz tomar um comprimido para dor de cabeça e um pra enjôo e um anti ácido, tudo com um copo de suco de laranja.
- Consegue ficar de pé? – Perguntei.
- Ainn... – Ela reclamou. – Consigo. Por que você me deixou beber tanto assim? – Eu ri.
- Porque você estava brava comigo. – A segurei e dei um selinho em sua boca. – E eu faço tudo, qualquer coisa por você!
- Eu queria beber, mas não queria ficar de ressaca. – Ela deitou a cabeça no meu peito.
- Está bem. Você vai pra casa do Patrício?
- Sim, ele marcou um pôquer como despedida de solteiro. – Expliquei.
- Hum. Você vai precisar me pegar às oito. A Mel marcou um café da manhã no apartamento do Alessandro. De lá nós vamos juntas pra casa onde vai ser o casamento. – Samantha falou.
- Melissa cortou o meu barato! – Falei fingindo chateação. – Mas te pego às oito.
Meu celular tocou e eu ignorei. Dei mais um beijo na Sam e o celular tocou de novo. Tirei do bolso e quando olhei a tela desliguei a chamada, mas antes que eu conseguisse desligá-lo tocou de novo e a Samantha viu a tela.
- Sério, Heitor? – Se afastou de mim brava.
- Não tenho culpa, Sam. – Me defendi.
- E por que o número dessa puta ainda não está bloqueado? – Samantha estava brava.
- Eu vou bloquear. – A puxei e dei mais um beijo. – Agora vou deixar você descansar.
Entrei no carro e chegou uma mensagem, era da Vanessa pedindo ajuda, dizendo que a Isabella estava no Clube Social e queria tomar um monte de comprimidos para se matar. Que merda! Era só o que me faltava.
Liguei pra ela, mas nenhuma das duas me atendeu. Liguei para o pai da Isabella e não atendeu. Merda! Bati no volante do carro, eu teria que ir ao Clube.
Cheguei e a Isabella e a Vanessa estavam no estacionamento, encostadas no carro da Vanessa. Quando me viu a Isabella caminhou e pulou no meu pescoço.
- Tchutchuco! Eu sabia que você se importa comigo! Você me ama! – Com dificuldade tirei a Isabella de cima de mim.
- O que está acontecendo Isabella? – Perguntei nervoso.
- Eu sabia que você viria, você se preocupa. Você me ama! – Ela repetiu e eu entendi a armadilha.
- Eu te detesto, garota! Não acredito que vocês foram capazes de inventar um absurdo desses para me trazer aqui. – Eu estava puto e saí andando para o meu carro. – Não me liguem nunca mais!
Saí dali cantando pneus. Mas eu não imaginava que o estrago já estivesse feito.
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